Chovia. As lágrimas desciam por meu rosto, como a lavar minha alma. As sequei levemente para limpar aqueles vestígios de fraqueza. E então fui tomada por tal confusão de pensamentos e esperanças pueris, perfeito contraste com toda a minha existência. Seu belo rosto foi se desenhando lentamente em minha mente, cada traço tão perfeito, deixando-me eufórica. Os seus olhos azuis eram como um revolto oceano, mas que também podia tornar-se uma tranqüila lagoa silenciosa. O lápis imaginário percorria o seu delicado nariz, um tanto arrebitado, seus lábios corados e carnudos que tornar-se-iam tão mais atraentes pronunciando as palavras certas. E em fim, seu sorriso. Ah! Como eu amava aquele sorriso, por ele ser contagiante, sincero, sem preocupações, que me fazia sorrir também; um sorriso satisfeito, feliz... O meu sorriso.
Enquanto estava eu a devanear, àquela cidadezinha suspirava um último adeus a mim e como que para harmonizar, lá estava ele prostrado, perto da jabuticabeira. Pude notar uma minúscula lágrima brotando do canto do seu olho.
Certamente não é por mim, pensei.
E não era mesmo, ele não me amava. Nunca amaria. Eu era uma sonhadora e desiludida em ainda pensar nele. Seu rosto, seus olhos, seu sorriso, invadiam a minha mente sem nem pedir permissão, penetrava tanto meu ser que às vezes eu chegava a pensar que eu vivia para amá-lo. Uma idéia absurda, decerto; mas ela bem que se encaixava. Ele sorriu pra mim, não um sorriso despreocupado como outrora ele costumava esbanjar, mas um sorriso triste. Que estranha junção de sentimentos, como poderia ser um sorriso triste? Mas era. Eu não via outra forma de descrever aquele sorriso que dizendo nada dizia tanto.
Tantos risos, conversas, segredinhos, posso até arriscar dizer que fomos felizes. Três crianças ingênuas e felizes. Eu, Ele e minha Irmã. Sempre fomos muito unidos, nossos pais eram sócios, então preenchíamos a falta deles fortalecendo a nossa amizade a cada dia. Éramos pequenos e tínhamos um futuro promissor, crescemos juntos, como irmãos; um não fazia nada sem que o outro estivesse presente, raramente brigávamos, e quando acontecia, eram briguinhas bestas e logo passava. Sim, posso afirmar com certeza, éramos felizes. No entanto, aconteceu uma coisa (in)esperada; crescemos.
E com isso os sentimentos e emoções ficaram bastante claros formando-se então um triângulo amoroso. O Destino era um ser cruel, todo-poderoso e implacável. Como eu podia amar logo aquele que se apaixonara por minha irmã? Impossível compreender essas peças que a vida prega na gente.
A cada dia que passava eu tentava esquecê-lo, tirá-lo da minha vida. Aquele amor avassalador e inesquecível.
Admirei minha irmã por meros segundos. Como ela se mostrava tão fria? Nenhum suspiro, nenhuma lágrima vertida. Será que ela era incapaz de sentir?
A nossa vida estava naquela casa, toda ela. Todos os bons e ruins foram passados lá. E todos com ele... Ele que ainda se encontrava lá, encostado à velha jabuticabeira suspirando um último adeus.
Então, como em um ato de desespero, ele buscou nos impedir enquanto corria com o intento de nos alcançar. Como eu queria correr para os seus braços confortantes e dizer o quanto eu amei e amo. Para o meu triste desatino, não havia recíproca, e nunca haveria.
Quando ele se deu conta que não tinha mais volta, em seu último gesto singelo atirou ao ar um beijo. E eu o agarrei, aquele beijo que continha todo o seu amor, um beijo desesperado, quase um pedido de desculpas ou talvez até um perdão. Sim, agarrei aquele beijo como se fosse a minha vida, aquele beijo que não era meu.
Por J.M.